Essas memórias não são minhas

Se olhar por muito tempo para um lugar fixo, provavelmente, começará a ver objetos inanimados conversando com você. Ok, talvez não. Talvez isso só aconteça comigo (não que seja frequente). Pode ser que meu cérebro estivesse me trollando, uma mudança de foco, mas a caixa ainda estava lá, no chão, aos pés da cama. Uma caixa velha, remendada e cheia de coisas desconhecidas dentro. Passei anos até achá-la no porão de casa. Meu pai pouco sabia sobre sua existência e os outros... O que importa é que a achei, e que tomei coragem para desvendá-la, tudo isso por duas letras estampadas na sua tampa. 

A caixa era de lembranças de uma garotinha que não conheço, organizadas por datas em envelopes. Eram fotos, na verdade. Ela tinha cabelos grandes, cacheados e pretos. Era gordinha, andava ora de vestidos, ora de tênis. Estava acompanhada, apenas em algumas imagens, por pessoas estranhas, sem um grau de parentesco aparente. Garotinha simpática, de olhares baixos. Havia um padrão naquela organização, envelopes com 14 fotos, a cada 3 meses. Vi parques, casas, carros, ruas, lugares e coisas que não fazia ideia que existiram. Isso mudou. Meses, anos sem nada, até um último envelope com uma única foto datada em 24/02/2007. A garotinha havia crescido e tornou-se minha maior inimiga. A reconheci apenas pelos olhos baixos, são frequentes dentro de mim. Antes a via apenas como consciência sem passado, hoje, ela frequenta meus pensamentos me mostrando tudo o que nunca consegui ver, ou que não quis ver.

Apesar de não me reconhecer em nada do que vi, era eu. Fui à todos aqueles lugares, conheci todas aquelas pessoas, vivi tudo o que pensei ser um slide preto. Incrível não reconhecer minhas própria vida, essas memórias não são minhas, jamais poderiam ser.

Ainda restam dúvidas sobre minha sanidade em relação à essa descoberta, meu pai diz que essa caixa nunca existiu, que é impossível esquecer o passado dessa forma e que estou ficando louca, eu discordo.